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terça-feira, 6 de maio de 2008

Desafio: crianças passam no vestibular


Alunos com idades entre 9 e 11 anos fizeram o vestibular da Unigranrio. Uma comissão do vestibular da UFF corrigiu as provas e muitos passariam.


A história de um candidato que passou no vestibular e fez a inscrição para a faculdade virou notícia. Sabe por quê? Porque ele tinha só 8 aninhos. Será que o menino é um pequeno gênio? Ou será que certos vestibulares para faculdades pagas mais parecem provinhas de ensino fundamental? O Fantástico resolveu fazer o teste. A cada ano, cinco milhões de candidatos disputam vestibulares em todo o país, segundo o último censo do Ministério da Educação, de 2005. As vagas disponíveis são 2,5 milhões. Destas, só 300 mil para universidades e faculdades públicas.

faculdades públicas. Veja o site do FantásticoOitenta por cento dos universitários estão em escolas privadas. A cada ano, em média, surgem 100 faculdades privadas. "Esse sistema particular se inchou e precisa de alunos como condição de sobrevivência.

Ele começa a usar estratégias de mercado no sentido de ter o aluno que ele precisa com o potencial de pagar a mensalidade, com potencial de comprar as coisas que existem dentro dos seus shoppings, menos interessado talvez no seu mérito acadêmico, na reflexão que o aluno é capaz de fazer. Então, é um grande mercado de diplomas", explica o educador Zacarias Gama.

A prova do vestibular existe para evitar que alunos não qualificados consigam ingressar na universidade. Mas a lei é pouco exigente quanto ao conteúdo das provas: a única determinação é que seja feita uma redação com caráter eliminatório. Cada instituição decide como vai avaliar os candidatos. "O Ministério de Educação não tem como avaliar e não é de sua competência avaliar diretamente cada uma das provas.

É uma incumbência de cada instituição por conta da sua autonomia", afirma um representante do MEC. É só entrar nos sites de algumas faculdades privadas para ver como o vestibular pode ser fácil. Em alguns casos a prova é só uma redação. Ou então, você pode fazer o vestibular no computador, no dia e hora que quiser, e o resultado sai em meia hora. Encontramos uma prova aplicada no ano passado por uma universidade particular do Rio de Janeiro, a Unigranrio, e resolvemos fazer um teste.
Pequenos voluntários
O Fantástico reuniu 21 alunos do ensino fundamental, com idades entre 9 e 11 anos. Propusemos a eles o desafio de fazer uma prova que, em tese, só alunos que completaram o ensino médio estariam capacitados a enfrentar. "Algumas questões eu até acho que ele acerta: geografia, história, português. Eu acredito que ele faça uma boa redação. Agora, o resto ele vai chutar mesmo", explica Márcio Esser, pai de um dos alunos. Os pequenos voluntários estudam em colégios diferentes, públicos e particulares, no Rio.

"Vocês vão fazer essa prova, ela é composta de uma redação em língua portuguesa", propõe o professor Néliton Ventura, coordenador do vestibular da Universidade Federal Fluminense (UFF). A prova foi aplicada e corrigida pela comissão de vestibular da UFF, a Universidade Federal Fluminense. Detalhe importante: nem os professores, nem os alunos sabiam de qual universidade era o exame. "A finalidade da nossa participação é suscitar na sociedade a discussão pelo aprimoramento dos mecanismos de acesso ao ensino superior", esclarece Ventura.
Redação
A redação: o tema foi moleza para os nossos bravos candidatos. Eles precisavam escrever sobre os primeiros anos de escola. "Essa proposta favorece um desenvolvimento de texto bastante restrito, infantil, imaturo", comenta a supervisora de redação do vestibular da UFF, Vanda Menezes. Para Breno, de 9 anos, a redação foi fácil. Logo depois, o aluno tinha que acertar, pelo menos, uma das três questões discursivas. Veja a pergunta, como é fácil: "em qual continente está inserida a Colômbia?".

A resposta é simples: América do Sul. De acordo com as regras da universidade, essa etapa da prova - a redação e as perguntas discursivas - é eliminatória. Quase metade dos nossos aluninhos se deu bem. De sete a oito crianças não seriam eliminadas, e talvez duas ou três tivessem probabilidade de conseguir classificação entre as vagas. Veja que ridícula esta pergunta de múltipla escolha. Para responder a questão 32, bastava o candidato saber a diferença entre maior, menor e igual. Só isso. "Dizer se um número é maior do que o outro seria muito fundamental e acho também que é até bizarro", analisa o coordenador do vestibular da UFF Luiz Antonio dos Santos Cruz.

Regulamento
Pelo regulamento, só será reprovado no vestibular o candidato que acertar menos de 10% das questões de múltipla escolha. Ou seja, basta acertar 6 das 60 perguntas para se classificar. As duas primeiras colocadas acertaram 30 questões, ou seja, acertaram metade das 60 questões. Algumas dessas questões valiam dois pontos. Somando os acertos, as campeãs Isabela, Rafaela e Ana Clara conseguiram 40 pontos ou mais de um total de 90. O que isso significa? Com 35 pontos, o aluno consegue se matricular para os cursos de administração, ciências contábeis e pedagogia.

"Mesmo não estudando para o vestibular, você pode fazer esta prova até no chute. Eu, por exemplo, que estou defasado, posso fazer 25 pontos", admite o pró-reitor da faculdade. Qual a nota mínima de corte? "Eu não me preocupo com isso. Olhando nos seus olhos: eu não me preocupo com isso. Eu não preciso disso. Eu não valorizo isso", revela o pró-reitor. "Tem alunos que passaram com 25,26 pontos para administração mesmo", diz a secretária da universidade. Então, outras seis crianças do nosso desafio também teriam vaga nessa universidade: elas tiraram 27 pontos ou mais. Já são nove crianças aprovadas em nosso teste. "Isso é muito preocupante porque ela não tem preparação nenhuma pra entrar numa faculdade", afirma a mãe de uma das alunas.
'Problemático'
O Fantástico procurou o presidente da Associação Nacional das Universidades Privadas, a Anup, para comentar o processo seletivo dessas instituições, inclusive da Unigranrio. "A Anup orienta as universidades para que mesmo que eles facilitem o vestibular, que coloquem o aluno dentro da universidade. Os melhores alunos do ensino médio não vão para iniciativa privada. Eles vão primeiro para o ensino público gratuito. O que sobra para o ensino particular é efetivamente aquele problemático", diz Abib Cury, presidente da Anup.

“Acho que na verdade a universidade tem um critério seletivo muito baixo, está querendo aceitar qualquer tipo de aluno e acha que ter os alunos em sala de aula não significa apenas ter mais um profissional no mercado brasileiro, mas sim alguém que vai estar ali mantendo o carnê em dia e aquela instituição sendo rentável", critica o educador Cláudio Mendonça.

Fonte: G1

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